Hoje é o dia mundial das mulheres, elas que são pouco reconhecidas pelo tanto que fazem e que merecem muito mais do que respeito e igualdade, pois ninguém conseguiria viver sem elas. É inaceitável vivermos em pleno século 21 ainda numa sociedade machista, que aceita as diferenças como algo normal. Desejo a todas parabéns pelas conquistas, que venham muito mais e que as pessoas se livrem da ignorância que é o machismo. Hoje gostaria de contar a história de mais uma guerreira, portadora de Crohn, que soube lidar muito bem, se desapegou dos padrões machistas de nossa sociedade e passou a viver muito melhor do seu jeito. Uma belíssima história, recomendo a todos que leiam.

História de Leticie
Depoimento a{" "} Anamaria Legori
Fotos por{" "} Sâmara Correia
Edição{" "} Leandro Demori
Texto publicado no{" "} Medium

"Sempre me faltou saúde. Quando eu era bebê, tive asma grave e fiquei internada uma semana na UTI. Casei aos 19 anos e o relacionamento não durou muito tempo. Eu estava num estado terrível de estresse por causa da separação e as doenças auto-imunes geralmente se manifestam nesses períodos, diante de um fato muito marcante negativamente. E para mim não foi diferente. Foi durante os 7 meses tentando me separar que comecei a ter os sintomas da doença de Crohn. Sempre fui muito vaidosa, mas abandonei os ideiais supérfluos de beleza, relaxei com isso, porque o Chron é algo muito mais importante para eu me preocupar.

Se eu tenho um abalo, a doença de Crohn já se manifesta. Então, busquei alternativas que me ajudassem nesse sentido e faço uso da Cannabis como terapia para conseguir enfrentar a doença. Hoje, dou valor para as coisas pequenas, como um domingo ensolarado na chácara, com o meu marido e o meu filho. Isso é mais que o suficiente. Eu olho para o meu filho pequeno e sei que tenho uma doença que pode me matar a qualquer momento e quero deixar uma mensagem para ele, para quando eu não estiver mais aqui.

Antes do diagnóstico do Chron, eu levava uma vida normal até que comecei a ter arritmia cardíaca. Meu coração disparava, mas aprendi sozinha a controlá-la. Desmaiei algumas vezes, porque o coração começa a bater rápido e falta oxigênio no cérebro. Mas, o tempo que eu levava para ir até o hospital era o suficiente para a arritmia parar, então os exames não diagnosticavam nada. E assim foi por anos. Nos eletrocardiogramas, o resultado era sempre normal. Os médicos achavam que podia ser uma consequência dos medicamentos muito fortes que eu havia tomado para a asma na infância. Inclusive, um deles teve a venda proibida justamente por causar problemas no coração.

Mais tarde, me tornei atleta. Aos 10 anos comecei a jogar handebol e fiz carreira no esporte até os 16. Participei das Seleções Gaúcha e Brasileira. Minha vida era o handebol. Sempre joguei mesmo com o problema da arritmia. Mas, tinha medo de contar para os técnicos. Eu nunca abri o jogo pra valer. Eles sabiam em parte porque eu falava que de vez em quando meu coração disparava um pouquinho, mas eu não falava a gravidade. Eu tinha medo de ser excluída do time. Eu sempre era titular e fui capitã em todos os times que joguei. Estava fazendo carreira de verdade e me tornei super conhecida. Até que um dia, em um jogo do campeonato gaúcho, a arritmia veio com tudo. Pedi pra sair do jogo mas logo voltei a jogar. Era final de campeonato, era um baita jogo e eu não queria perder. Desmaiei na quadra. Caí dura. Cortei o queixo inteiro com a batida no chão, foi uma sangueira. Fui para o hospital e a partir daí não teve mais jeito, tive que parar de jogar.

Eu provavelmente faria uma carreira profissional. Estava em plena adolescência e foi muito difícil aceitar, pela idade, pelas amizades e por causa da minha personalidade. Era muito independente, inclusive emocionalmente, e sempre fui muito bem resolvida. Até hoje eu sou assim, não gosto de contar os meus problemas, gosto de me resolver sozinha. Eu parei de jogar, abandonei a escola na metade do ano e fiquei em casa. Meus pais aceitaram a minha opção por pena. Depois dos exames descobri finalmente que a arritmia podia curar. Fiz um cateterismo e me deu parada cardíaca durante um exame. Foi mais um trauma na minha vida. Aquela massagem cardíaca e eu acordada. Foi terrível. Chamaram meus pais para decidirem se continuavam o exame com a possibilidade de me colocarem um marcapasso ou eu tomaria remédio para toda a vida. A decisão foi parar o exame. Chorei muito por causa do susto, enquanto o médico explicava a raridade do que havia acontecido. Comecei o tratamento e a arritmia estabilizou. Voltei a jogar, mas perdi o meu auge e sabia que não teria mais como seguir a carreira. Aquele ano parado foi terrível, porque o handebol era muito importante pra mim.

Aos 19 anos, já namorando há algum tempo, resolvi casar. E me separei aos 25. Era bancária e quem trabalha em banco sabe o inferno que é: muita pressão, muitas metas. Vinha num estado terrível de estresse no trabalho e ainda uma separação. Acabei o casamento e saí do banco no mesmo período. Para piorar, a minha família é bem careta e de início não aceitou o divórcio, eles achavam que casamento era pra vida toda. Até eu conseguir me separar de fato foi muito difícil. Fui ter o apoio deles mais tarde, atitude que me surpreendeu. Com o estresse intenso, comecei a ter os primeiros sintomas da doença de Chron. Ainda não eram os sintomas intestinais, eram extra-intestinais, o que dificultou a descoberta da doença. Comecei a ter uveíte, que é uma inflamação grave no olho que pode levar à cegueira. Foram 8 meses. Um horror. Perdi as contas de quantos oftalmologistas consultei e um médico me encaminhava para o outro. Quando eu estava quase perdendo a visão, conseguiram resolver. Fiz diversos exames que foram terríveis, inclusive injeções no olho. Ia ao médico toda semana. A uveíte ainda se manifesta, porque é crônica e está vinculada à doença de Crohn. Muitos médicos me perguntavam se eu tinha problemas intestinais, mas naquela época eu realmente não tinha e isso acabou dificultando o diagnóstico da doença.

Com o passar do tempo, comecei a ter problemas no quadril que estalava quando eu caminhava. As pessoas que estavam próximas até escutavam os estalos. Também comecei a ter hematomas nas pernas e corria atrás de ortopedistas. Fazia exames e nada. Foi um sintoma atrás do outro. Fui em hematologista, cirurgião cardiovascular. Comecei a ter vários problemas de saúde diferentes entre si e comecei a me questionar se estava louca. Será que o problema não era eu mesma? Me indagava, porque eu tinha dores no quadril, hematomas no corpo, inflamação no olho. Coisas que não pareciam estar interligadas. Hoje eu sei que isso tudo é uma coisa só. A minha vida virou o caos e eu vivia em consultas médicas.

Eu ainda não havia sido diagnosticada com o Chron, quando a uveíte estabilizou e bateu a vontade em mim e no meu marido de ter filho. Então, eu tive o Roni. Nunca tinha pensado em ser mãe, sempre achei que não fosse ter filhos. Conheci meu marido 6 meses depois de me separar e já começamos a namorar. Emendei um relacionamento no outro. Então, quando veio essa vontade em ambos, combinamos que se os exames mostrassem que estava apta a engravidar a gente teria um filho, do contrário, não. Os exames estavam perfeitos e eu estava mesmo em uma fase sem sintomas. No fundo, eu até queria que algum exame dissesse que não estava tudo bem e que eu não pudesse ter filho. Eu tinha a vontade, mas a vida toda eu achei que não ia ter. Estava insegura. Parei de tomar anticoncepcional e 4 meses depois engravidei.

Tive uma gravidez tranquila até o oitavo mês, foi então que o bebê parou de crescer e se optou pelo parto. Ele nasceu prematuro. Um ano depois, descobri que o meu útero é ancorado, o que deixa a metade do espaço para o bebê se desenvolver. Tenho tantos problemas de saúde que parece mentira. Ele cresceu até onde o tamanho do útero permitiu. Meu filho nasceu com 8 meses, pesando 2,4 quilos e os primeiros seis meses dele foram muito estressantes. Ele teve refluxo grave. Chorava de fome e quando eu amamentava, ele chorava porque não conseguia mamar. Ele não dormia e nem eu. Sou traumatizada com essa fase e nem gosto de ver as fotos dele de bebê. O que aconteceu então? A doença de Crohn voltou com tudo, porque são nesses momentos que ela se manifesta. Dessa vez surgiram os sintomas intestinais. Meu filho tinha 6 meses e eu era um trapo.

Em uma consulta com o oftalmologista, novamente por causa da uveíte, ele me perguntou se a minha digestão estava bem. Eu disse que sim. Mas, chegando em casa relacionei com algumas diarreias que vinha tendo. Retornei e perguntei o por quê daquela pergunta. Ele explicou que em alguns casos a uveíte pode ser um sintoma da doença de Crohn. Falei que às vezes tinha diarréia sem motivo, e ele exclamou um: ¨opa! vou te encaminhar para um gastro¨. Fiz uma colonoscopia e foi descoberto que eu tinha a doença de Crohn. Em 6 meses, fiz 302 exames até ter o diagnóstico. Meu filho já tinha 1 ano quando fui diagnosticada. Ao mesmo tempo que foi um susto e uma dor ler sobre essa doença, foi um alívio, porque tudo estava esclarecido. Todos os sintomas que eu tinha, estavam relacionados à doença auto-imune. A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal que compromete todo o aparelho digestivo, desde a boca até o ânus, além de manifestar diversos sintomas extra-intestinais.

Os tratamentos da doença de Crohn são questionáveis, porque são feitos com corticoide e imunossupressor — duas coisas que acabam com a vida de uma pessoa. Como eu tinha uma única inflamação no intestino, a médica me deu a opção de não tratar e acompanhar com exames. Do contrário, em um ano estaria com 20kg a mais e o imunossupressor iria derrubar a minha imunidade: uma gripe poderia desencadear uma pneumonia e me levar à morte. Decidi não tratar e comecei a estudar e procurar tratamentos alternativos. Testei todos que apareceram na minha frente, não tenho muito a perder. Em torno de meio ano depois, a doença começou a complicar. Por causa da diarréia, não conseguia sair de casa e nem do banheiro.

Foram 40 dias sentada no vaso com um filho pequeno e a família morando longe. Eu não terminava de dar a última garfada e já corria para o banheiro onde iria passar o resto da tarde. O que entrava, saía. Eu prefiro sempre dizer que está tudo bem, mas um dia liguei pra minha mãe chorando, sentada no vaso com o meu filho no colo e expliquei pra ela que estava ali há 1 hora. Na hora, ela pegou um ônibus e veio para a minha casa. Isso aconteceu muitas vezes: eu sentada no vaso com o Roni nos braços. Era um bebê chorando que queria colo e eu não tinha como sair do banheiro. Algumas pessoas com a doença de Crohn tem constipação, pra mim o pior foi a diarréia.

Vi que precisava fazer alguma coisa e voltei ao médico. Mas, continuava sendo difícil aceitar aqueles medicamentos. Além disso, não concordava quando os médicos diziam que eu podia comer de tudo. Eu tinha inflamação no intestino, como poderia comer qualquer coisa? Eu e meu marido pesquisamos incansavelmente e mudei a minha alimentação. Procurei trocar ideias com um grupo da doença de Crohn no Facebook que era muito bom para ter informações, mas ao mesmo tempo me maltratava bastante, porque ao menos uma vez por mês alguém do grupo morre. Eu me abalava. O próximo podia ser eu. Mas, hoje levo de forma tranquila. Comecei a trocar ideias sobre alimentação com o intuito de controlar a doença. Sobre dieta paleolítica, de comida de verdade.

As coisas começaram a melhorar quando mudei a minha alimentação. E mudei radicalmente. No início, comia meia dúzia de coisas: cenoura, carne moída, frango, chuchu e maçã. Fiquei meses comendo somente isso. Emagreci muito e minha família estava preocupadíssima. Foi assim que consegui diminuir a diarréia. E, aos poucos, fui introduzindo outros alimentos. Nos períodos que estava mal, descobri o jejum. A única forma de sair de uma crise aguda de diarréia era ficar sem comer. Cheguei a fazer jejum de 48h. Eu olhava para a comida e já pensava que ia me fazer mal. E realmente eu passava mal. Comecei a fazer psicoterapia e antes de eu explicar a minha situação, a terapeuta já perguntou se eu tinha problema com a comida. Simplesmente, toda vez que eu ia comer eu entrava em desespero. Foi muito difícil fazer amizade com a comida e voltar a lidar bem com ela.

Faz 2 anos que mudei a alimentação, comecei a comer comida de verdade e estou melhorando. Hoje, estou no sexto médico e finalmente me encontrei. O proctologista me recomendou um remédio para a doença de Crohn e eu aceitei. É o remédio mais leve de todos, tem muitos efeitos colaterais mas não é um imunossupressor, nem um corticoide. Esse remédio aliado à alimentação me trouxe uma qualidade de vida melhor. Mas, o que controla mesmo é a alimentação, se eu furo a dieta, a doença começa a desandar. Ainda tenho feridas no intestino, mas não estão inflamadas. Elas melhoraram seis meses depois da mudança de alimentação.

A psicoterapeuta me alertou que depois de tudo isso que passei, também preciso cuidar da minha saúde mental. Eu realmente não estava bem e a doença auto-imune tem uma ligação muito forte com o estado emocional. Comecei a praticar Yoga e voltei a tocar violão. Busquei várias terapias alternativas. No grupo da doença de Crohn, no Facebook, surgiram pessoas falando da Cannabis. Eu e meu marido começamos a pesquisar muito a esse respeito. Em uma reportagem da revista Super Interessante sobre a doença de Crohn havia uma pesquisa de Israel, que é referência em medicina, falando exclusivamente sobre o uso da Cannabis para a doença. Adivinha? Comecei a usar. Uso frequentemente e me ajuda muito. Não tem como medir nos exames que a Cannabis ajuda diretamente na doença, mas ajuda fisicamente. Juntamente com a alimentação, alivia muito os sintomas, as dores abdominais, os enjôos. Uso a erva como terapia. É algo incrível, inclusive para dormir. Com ela acordo bem, passo o dia muito bem. Me traz um bem-estar sem igual. Em resumo, me dá muita qualidade de vida, mesmo tendo a doença. Além da questão física me ajuda na questão psicológica porque as terapias alternativas ajudam a relaxar quando os pensamentos ruins aparecem. Agora, estou numa fase boa e me muni de recursos que me ajudam a carregar esse fardo que é a doença de Crohn.

Há pouco tempo, se manifestou a Rosácea Pústula no meu rosto. Ela dói muito, queima, causa um grande desconforto. São pústulas parecidas com espinhas e vermelhidão que prejudicam inclusive o sono porque ardem, coçam. A Rosácea me fez passar por mais uma maratona de médicos. Ela não é somente uma questão estética. Estudos mostram que ela pode ter ligação com o intestino, o que no meu histórico, não seria por acaso. Com os antibióticos para a Rosácea, o Chron retornou.

A sensação que eu tenho é que os meus problemas de saúde vieram pra me despertar para algo e dessa vez foi para o feminismo. Quando tinha uns 20 anos, eu era muito bonita, cabelo loiro e liso até a cintura e uma pele maravilhosa. Eu não me imaginava não sendo daquela forma, poderosa. Fazia escova progressiva e mechas a cada 3 meses, porque eu tinha que ser loira e ter cabelo liso. Tinha um corpo lindo e mesmo assim nunca estava satisfeita: peitos pequenos e um pouquinho de culote e celulite me incomodavam. Tinha dificuldade até de usar biquíni, porque queria ser perfeita.

Com a doença de Chron, comecei a ter manchas no rosto, os melasmas, e hoje tenho o rosto bem manchado. É progressivo, não tem cura e já sofri muito por causa disso, além de ter gasto uma fortuna. Mas, hoje eu sei que o melasma não dói, não me traz risco de vida, é apenas um problema estético, sem qualquer outro sofrimento. Faz três anos que não trato mais os melasmas, mas continuava sofrendo na frente do espelho e nunca estava de cara lavada, mesmo estando em casa. O Chron foi me libertando inclusive com as questões do corpo. Mas foi nesses últimos meses que me libertei pra valer e isso veio com a Rosácea. Com ela, não podia me maquiar porque a pele ficava sensível e os médicos indicavam não usar nenhuma química. Mas, a vida continuava e eu não podia ficar só em casa, tenho filho e várias coisas para fazer. As pessoas olhavam muito, porque é uma coisa horrorosa. E eu tive que lidar com isso, mesmo estando desesperada. Além de tudo, mais esse acontecimento na minha vida. Consegui controlar com medicamentos, mas também com aromaterapia e naturopatia, porque sempre busco alternativas naturais. Ela fica atrelada diretamente com a estética, o que é complicado para uma mulher.

Mas, começou a melhorar e um dia acordei sem a Rosácea. Olhei o meu rosto no espelho manchado pelos melasmas e me achei linda. Comecei a agradecer por naquele dia estar apenas com os melasmas. O que era um inferno se tornou um agradecimento. Eu apenas tinha manchas escuras que podiam ser cobertas por maquiagem, mas não tinha feridas, dor, coceiras e nem algo que me tirava o sono. As manchas não me incomodam mais. Em casa e em algumas saídas rápidas, eu não uso mais maquiagem, o que antes era impossível. A libertação com o corpo e com o cabelo foi vindo aos poucos. Desde que descobri a doença de Chron nunca mais fiz escova progressiva e assumi meu cabelo rebelde.

Hoje, mesmo com muita oscilação de peso e um corpo meia-boca, eu amo ele. Antes de ele ser um objeto sexual, ele é a minha casa. É claro que continuo vaidosa, mas muito mais importante do que estar bem esteticamente, é estar saudável. Defendo hoje que a mulher não tem a obrigação de ser perfeita, como eu achava antigamente. A mulher deve ser como ela quiser. O corpo feminino não deve ser somente para agradar aos outros. A mulher deve ter o direito de sentir prazer e de gostar de sexo, ter os mesmos direitos que o homem, sem ter obrigações que o homem não tem. Me sinto grata por ter mais um problema de saúde, mas que está me fazendo abandonar o machismo no qual eu fui criada. Venho de uma família machista e de mulheres machistas. Hoje, me considero feminista. Não entendo o feminismo como o contrário do machismo, no sentido de depreciar o homem e supervalorizar a mulher, mas sim como a busca pela igualdade de direitos entre os gêneros. A mulher não pode ser cobrada por aquilo que os homens não são, como ser bonita para agradar aos homens e essa cobrança não existir para eles. Eu já vinha me libertando disso, mas de fato a Rosácea foi o que me deu um empurrão, o que fez me desvencilhar da criação que tive.

É claro que quando os sintomas da doença vem, eu me abalo psicologicamente. Mas, hoje estou com uma cabeça muito boa em relação à isso. Melhorei bastante, inclusive pelas terapias que busquei. Aceitei o Crohn. Sou espírita e a espiritualidade me ajuda muito. Ter resignação, não ficar revoltada. Acredito na premissa espírita que diz que tudo o que acontece é o que você merece em função do passado ou o que você precisa em função da evolução espiritual. A doutrina diz que temos que agradecer pelo que acontece. E eu pensava: como vou agradecer por isso? Comecei a dar valor para o que realmente tem significado na vida.

Estar sem dor, estar bem, é tudo para mim. Houve um amadurecimento pessoal, emocional, em busca da evolução espiritual. E é isso o que eu busco para a minha vida. Tenho tatuado nas costas: nada é por acaso. E a próxima tatuagem será: há males que vem para o bem. Acredito que a doença veio para o bem. Para o meu, para o meu filho e a minha família, porque tenho conseguido ajudá-los nas questões de alimentação. Inclusive, comecei a trabalhar com isso. Larguei a área financeira e estou super feliz. Me apaixonei pela cozinha e de alguma forma estou ajudando as pessoas. Se lá atrás eu pudesse escolher, escolheria esse caminho, mesmo com a doença e com o sofrimento.

As pessoas não conhecem o Chron e não sabem o quanto se sofre. Me olham na rua bonitinha e não fazem ideia do que eu passo. Se pudesse escolher entre o Crohn e um câncer, eu preferiria um câncer. Primeiro, porque as pessoas se solidarizam mais. Segundo, porque se faz um tratamento terrível que é a quimioterapia, mas depois passa. Talvez o câncer volte, mas existe um período de descanso, de vida, de normalidade. Ter a doença de Crohn é não ter isso. Não existe um período que está tudo bem, é um sacrifício o tempo inteiro.

Pode não ser bonito, mas é a mais pura verdade: o meu filho, ao mesmo tempo que é a minha maior força, é a minha maior fraqueza. É por ele que estou lutando e procurando saúde. Se eu não tivesse o Roni, não estaria nessa busca. Talvez eu tomasse o caminho encontrado por outras pessoas que tem a doença que é o de aproveitar a vida, porque sabe-se lá o que vai acontecer amanhã. Eu não teria tanto medo de morrer, tanta preocupação de ser hospitalizada, se não fosse por ele. Acreditamos que o Roni veio porque ele realmente tinha que ser o nosso filho. Isso é muito especial para nós. Quando optei por ter filhos, eu já tinha a doença, mas o Chron ainda não havia sido diagnosticado. Se eu tivesse descoberto antes, jamais teria engravidado. Era pra nós três vivermos isso juntos, independentemente de quanto tempo vai ser. Quero deixar mensagens para o meu filho, porque eu posso não estar mais aqui. Transmitir para ele as coisas que tenho certeza, hoje: nada é por acaso e todas as dificuldades que a gente passa tem um por quê. Elas acontecem por algum motivo que é única e exclusivamente para a nossa evolução espiritual. A não revolta com as dificuldades é primordial pra gente conseguir tocar a vida da melhor forma possível."